“Diplomata iraniano é suspeito de abusar de 4 crianças em Brasília
Um diplomata do Irã é suspeito de ter abusado de quatro meninas, entre 9 e 15 anos, em um clube de Brasília no fim de semana, segundo a polícia (…)
Segundo relato dos pais, ele tocou as partes íntimas das garotas enquanto mergulhava na piscina. Foi levado a uma delegacia e liberado. ‘Ele tem imunidade diplomática’, disse o delegado-adjunto Johnson Monteiro”
Os agentes diplomáticos representam seu país em um país estrangeiro e, por isso, possuem alguns direitos inerentes que sevem para proteger o exercício daquela função. A ideia não é criar um benefício para as pessoas, mas possibilita-las exercerem suas funções de forma eficiente, protegendo os interesses de ambos os países. Sim, ambos os países: imunidade diplomática protege tanto os interesses do país emissário (por exemplo, evitando que seu embaixador seja preso no país hospedeiro sob falsas alegações), quanto do país hospedeiro (por exemplo, o governo daquele país, pressionado por sua população a agir contra o agente diplomático, pode sempre apontar para a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas e dizer que não pode fazer nada porque a tal Convenção garante a imunidade aos agentes diplomáticos).
A inviolabilidade diplomática significa que a pessoa não está sujeita a prisão ou detenção, e o país hospedeiro deve tomar as precauções necessárias para proteger o diplomata, inclusive contra ataques à sua dignidade. O mesmo acontece com sua residência pessoal, suas correspondências e papéis, além, claro, da inviolabilidade do local da missão diplomática (embaixada ou consulado) e das correspondências e papéis diplomáticos.
É uma espécie de ‘eu protejo (e não toco em) seu servidores e propriedades em meu país, e você proteger (e não tocar nos) meus servidores e propriedades em seu país’.
Já a imunidade é um pouco mais complexa. Ela significa que o agente diplomático não está sujeito a processos administrativos, civis ou penais no país hospedeiro, exceto em processos relacionados a propriedades imóveis particulares, sucessões (heranças), e atividades profissionais e comerciais exercidas por ele fora de suas funções diplomáticas.
No caso da matéria acima, se os fatos narrados realmente ocorreram, houve um crime. Isso quer dizer que o diplomata iraniano pode cometer qualquer delito no Brasil e sair impune? Mais ou menos, pois há exceções:
- Ele é imune porque seu país diz que ele o representa. Logo, o país emissário (no caso, o Irã), pode simplesmente dizer ao país hospedeiro (no caso, o Brasil) que está permitindo ao Brasil remover a imunidade diplomática daquela pessoa. Nesse caso, ela passa a estar sujeita ao processo no país hospedeiro.
- Além disso, a imunidade diplomática no país hospedeiro não o isenta de um processo no país de origem. Logo, o diplomata iraniano pode ser processado no Irã por sua conduta no Brasil, se as leis de lá disserem que (a) a lei iraniana é aplicável às condutas de seus agentes fora de seu território e (b) que o que fez é delito.
- Se for o agente diplomático quem iniciar o processo no país hospedeiro, mais tarde ele não pode invocar sua imunidade para se proteger contra um processo correlato àquele que iniciou, ou contra uma condenação naquele processo que ele iniciou.
- Por fim, se o agente diplomático for residente permanente ou nacional do país hospedeiro (por exemplo, quando ele possui dupla cidadania ou já morava lá antes de ser nomeado diplomata), sua imunidade é apenas em relação aos atos oficiais. Em relação a todo o resto, ele é tratado como qualquer outro residente do país hospedeiro. Por exemplo, frequentar a piscina de um clube não é um ato oficial de um diplomata.
Os membros da família do agente diplomático também estão protegidas pela imunidade e inviolabilidade.
Por fim, e para quem gosta de filmes de espionagem, repare que ‘agentes secretos’ ou infiltrados não são agentes diplomáticos. Se não foram credenciados como diplomatas pelo país hospedeiro, não estão protegidos pela imunidade e pela inviolabilidade concedida aos diplomatas. É por isso que tantos diplomatas acabam exercendo a função dupla de diplomatas e agentes secretos: se forem descobertos pelo país hospedeiro, estão protegidos pela imunidade/inviolabilidade até serem expulsos do país hospedeiro.
PS: Não confunda inviolabilidade e imunidade com extraterritorialidade. A embaixada não é território estrangeiro, como já explicamos aqui.